Navegar, navegar e nada gastar, nada desperdiçar, tudo poupar: combustível, ambiente, recursos naturais, comunidades. É assim que o projecto da Sun Concept, que desenvolve barcos solares para recreio, actividades marítimo-turísticas e pesca, se lança às águas tantas vezes turvas do mercado nacional, aliando inovação tecnológica, design industrial e sustentabilidade. O VER embarcou na viagem de apresentação do SunSailer, na Lagoa de Óbidos. Bem-vindo a bordo de uma reportagem que revela a luz das ideias mais simples, as que brilham sobre as pessoas e sobre o planeta. Porque osol quando nasce é para todos, e todos o podemos aproveitar.
No que respeita à ideia feita de que o dono de um barco tem duas alegrias na vida – quando o compra e quando o vende – a tradição já não é o que era. Se a aquisição, quer para fins profissionais ou para recreio, implicava até agora um esforço financeiro e logístico de tal ordem que significava, só por si, um pesado problema, hoje há uma alternativa às embarcações convencionais que, pelo menos em relação ao consumo e à manutenção, se revela bem leve.
Desde Março de 2016, há um projecto nacional que se materializa em barcos movidos a energia solar, planeados de raiz para serem custo-eficientes, silenciosos e ecológicos, e que resulta da sinergia entre inovação tecnológica, design industrial e sustentabilidade.
A ideia nasceu de “uma conversa de bar que se transformou numa conversa de barco”, entre um biólogo, um construtor naval e um contabilista, e rapidamente a intenção de apostar na produção em série de um barco que não enchesse a Ria Formosa de barulho e poluição ganhou escala ao nível do planeamento e, com recurso a capitais próprios do núcleo fundador, resultou na constituição (em Maio de 2015) e desenvolvimento da empresa Sun Concept, que investiu, “até à data, perto de meio milhão de euros”, como adianta ao VER o seu director de Estratégia e Sustentabilidade, Nuno Gaspar de Oliveira.
Hoje a primeira empresa portuguesa de embarcações eletro-solares e uma das primeiras, mundialmente, a trocar a fase de protótipo pela comercialização, disponibiliza para o mercado três modelos da linha SunSailer 7.0 – para recreio (S), actividades marítimo-turísticas (MT) e pesca (PRO) – que, com sete metros de comprimento, dois motores eléctricos de seis cavalos alimentados por um banco de quatro baterias que se carregam através de seis painéis foto-voltaicos (ou cinco, no caso da versão PRO) instalados na própria embarcação, e um casco patenteado com um calado de 40 centímetros desenhado para não deixar rasto (e assim, não agitar as águas, respeitando os ecossistemas), se destinam à utilização em zonas costeiras protegidas e zonas lagunares e ribeirinhas, como rias, estuários, rios, lagoas e albufeiras.
Até 2018 o objectivo mínimo é ter no mercado vinte SunSailers
Atingindo uma velocidade cruzeiro de cinco nós e máxima de 7 nós (aproximadamente entre 10 a 13 km/h), estes barcos têm uma autonomia sem sol de seis a oito horas, e infinita na presença dos raios do astro-rei, mesmo com nevoeiro, já que “quanto mais andam menos gastam” como assegura Manuel Brito, CEO e principal investidor.
E este é o grande trunfo do SunSailer: não precisa de combustível. Com um nível de consumo zero, que se traduz também em zero emissões de gases de efeito de estufa, numa redução de 95% nos níveis de ruído e numa manutenção 80% mais barata do que a de um barco convencional (porque também não precisa de óleo, filtros ou velas), o barco solar concebido pela empresa de Olhão poupa 15 a 20 mil euros anuais, comparativamente a uma actividade marítima turística que navegue 500 a 600 horas por ano, com um motor tradicional de 50 cavalos.
Os preços, equiparados aos de embarcações idênticas com motores de explosão, variam entre os 24 600 euros (sem IVA), para a versão destinada a pescadores, mariscadores e viveiristas, com uma lotação de seis pessoas, os 32 400 euros (sem IVA) para a versão de recreio, para oito pessoas, e os 37 700 euros (sem IVA) para o barco com maior lotação (12 pessoas), dirigido aos operadores turísticos que operam em zonas de águas calmas ou protegidas, o target mais promissor do visionário projecto.
É um barco que faz pontes
A pequena vila da Foz do Arelho, no concelho do Oeste das Caldas da Rainha, acordou ensolarada surpreendendo quem a conhece pelo seu instável microclima, na manhã de 8 de Outubro, dia de apresentação do projecto da Sun Concept. Desde a véspera, o SunSailer MT aguardava, à entrada do Hotel da Fundação Inatel, o raiar do sol para brilhar na bela Lagoa de Óbidos, onde proporcionou vários passeios ao longo da tarde.
Perante uma audiência de muitas dezenas de participantes, entre autarcas, representantes de associações ambientais e do sector energético, potenciais investidores turísticos e utilizadores dos serviços destes barcos bem como alguns curiosos, Nuno Gaspar de Oliveira, Manuel Costa Braz, administrador e João Bastos, director comercial da Sun Concept, entusiasmaram os presentes com o dinamismo e coesão da equipa que se aventurou nesta viagem “por carolice” e que quer navegar bem longe, para lá da costa portuguesa, contando já, para o efeito, com dez trabalhadores dedicados ao desenvolvimento e produção das embarcações a partir do estaleiro de Olhão.
Orgulhoso pela chancela nacional do barco mais sustentável de Portugal, Manuel Costa Braz adiantou à plateia que a Sun Concept tem na calha a construção de “um estaleiro junto à Ria Formosa totalmente auto-sustentável”, que utilize exclusivamente “energia ecológica” (eólica ou solar), e que permita rentabilizar o estacionamento dos barcos adquiridos à empresa, sempre ligados à corrente, aproveitando a energia eléctrica gerada para o consumo do estaleiro e diminuindo, assim, os custos de logística dos proprietários.
A construção de um estaleiro ecológico na Ria Formosa pode ser o epicentro de um novo pólo de desenvolvimento regional sustentável
Sublinhando também a sustentabilidade do projecto, João Bastos explicou como o SunSailer “consegue navegar com uma linha de água mínima” (os referidos 40 cm), o que permite que “o casco se movimente sem deixar esteira” (rasto), protegendo deste modo os vulneráveis ecossistemas das zonas lagunares e ribeirinhas e diminuindo radicalmente a perturbação para as outras embarcações, assim como para os banhistas. E retratou como este barco solar é tão silencioso que todos quantos nele embarcam (incluindo a própria equipa da empresa, na fase de testes) perguntam se o barco já está a trabalhar.
Contanto com o Grupo Siroco como parceiro de negócio, o projecto da empresa algarvia disponibiliza neste momento barcos “ideais para turismo, numa perspectiva mais empresarial ou de lazer, se pensarmos também em utilização pessoal”. Porém, estes mesmos barcos, especialmente o SunSailer MT, com os seus 12 lugares, são ideais também para serviços de transportes, do tipo táxi, para fazer a ligação entre comunidades ribeirinhas ou fornecer serviços sociais, por exemplo, no apoio a crianças, jovens e idosos, quer como meio de transporte quer para actividades de educação ambiental ou de animação cultural.
Como explica ao VER o director de Estratégia e Sustentabilidade da Sun Concept, “é um barco que faz pontes, leva as pessoas a cruzar margens a custo zero”. Tanto entre duas partes de uma cidade, como em Vila do Conde ou Aveiro, como entre regiões de países irmãos, como o Alto Minho e a Galiza ou nas margens do Guadiana internacional, “entre tantas outras oportunidades para estabelecer pontes solares entre sítios e pessoas”.
Mas ainda ao nível do turismo, “algo que temos vindo a detectar é que muitas unidades hoteleiras ou pequenos clusters de turismo rural têm falta de oferta em termos de actividades próprias e, quer no uso directo (compra do barco) ou no uso indirecto (compra de serviços a quem tenha o barco) podem beneficiar muito de ter uma oferta complementar de lazer, recreio ou de observação de vida selvagem”, conclui Nuno Oliveira.
Também em termos de actividades ligadas à pesca e aos recursos naturais, os mentores do SunSailer esperam que estes barcos, “numa forma mais simplificada e melhor adaptada”, possam servir para pescadores de águas abrigadas, mariscadores, apanhadores de algas, aquicultores e para actividades ligadas à protecção da natureza, como vigilância de áreas naturais, monitorização de biodiversidade, salvamentos de animais, controlo de plantas exóticas e investigação, “entre tantos outros fins como aqueles que se queiram imaginar”. De facto, também aqui o sol quando nasce é para todos.
WAIT AND SEA
Mas como poderão as empresas de actividades marítimo-turísticas e de pesca das comunidades instaladas em zonas de águas calmas ou protegidas ficar sensibilizadas para a sustentabilidade deste projecto, e de que incentivos poderão estes pequenos negócios locais vir a beneficiar no âmbito deste investimento?
A aquisição de um SunSailer “não é assim tão diferente” da aquisição de uma outra embarcação para os mesmos fins, em termos de actividade socioeconómica, garante Nuno Oliveira. Afinal, “todos os barcos custam dinheiro, mas enquanto uns custam ainda mais dinheiro enquanto se movem, o nosso poupa de forma inacreditável, permitindo que grandes somas correspondentes aos custos evitados com combustíveis e impostos possam ser reservadas para o bem-estar das pessoas e famílias” que apostarem no projecto. Já para não falar “na quantidade de dias de trabalho adicionais que podem ter, nomeadamente no ramo do turismo e lazer”. Por exemplo, um casal que queira, em época baixa, dar um passeio numa marítimo-turística vê muitas vezes o seu direito negado por razões simples: o serviço não ‘paga’ o combustível. Se não houver combustível para pagar, o operador pode sair sempre que quiser ou precisar, mesmo que leve apenas uma passageiro solitário, esclarece.